quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vacinas I: Revacinação anual de cães: o mito

Quando eu trabalhei como professora de microbiologia na UFPR, participei do Curso de Atualização em Vírus e Vacinas e um dos professores que ministraram o curso, (meu colega na época,) mencionou que cães não precisavam ser revacinados anualmente. Fiquei espantada, pois eu, que convivo com cães desde criança e já tive e tenho vários, NUNCA os revacinei anualmente??!!!
Eu sempre achei que quem toma vacina são os bebês e as crianças, adultos não... E quando percebi que muitas, muitas pessoas acreditavam que os cães deveriam ser revacinados anualmente, resolvi pesquisar a questão.  Caro leitor: eu não posso simplesmente dizer a você que isto é um mito e pronto. Eu tenho o dever moral de lhe explicar, para que você ENTENDA e não, simplesmente, aceite. Por isso este assunto terá 3 partes, e se você quiser entender direitinho, por favor, leia também os próximos capítulos!!!!
A primeira pergunta que eu faço é: Você já se revacinou este ano ou ano passado contra Sarampo, Difteria, Poliomielite ou qualquer das outras vacinas que tomou quando CRIANÇA?? Por que não??? Por que somente os cães NECESSITAM de revacinação e não os humanos, os cavalos, os bovinos, os gatos???  Eu até vi anúncios – Vacine seu gato anualmente, mas bem menos que –“ Vacine seu cão”. Por que isto, se somos todos mamíferos, portanto, com Sistema Imune semelhante???
Para que você entenda, vamos primeiro saber como o Sistema Imune reage diante de um vírus. Imagine que você, leitor, é rei de um castelo; o Sistema Imune é a defesa deste castelo contra invasores e é dividido em duas linhas principais Sistema Inato e Adaptativo.
O Sistema Inato é composto pela pele, mucosas, ácido estomacal, enzimas da saliva e fagócitos (células sanguíneas que “comem invasores), na analogia do castelo a pele são os muros do castelo;  as enzimas e ácidos a água do fosso que rodeia o castelo e os fagócitos os jacarés do fosso! É a primeira linha de defesa, não é especifica (combate todos microrganismos que não conhece) e não é adaptativo, sua efetividade não muda com repetidas invasões do mesmo microrganismo.
Já o Sistema Adaptativo se compõe de soldados e luta contra os invasores que conseguiram “entrar” no castelo. E atenção: ele tem memória. Que quer dizer isto? Os inimigos (vírus) que conseguiram entrar no pátio do castelo serão combatidos pelos soldados - linfócitos B e linfócitos T (outras células sangüíneas). O uniforme do exército inimigo é especifico deste e será lembrado pelos soldados do castelo. Por isto dizemos que o Sistema é adaptativo e específico, pois se invasor atacar novamente, o castelo já sabe como se defender.
Os linfócitos B produzem anticorpos (também chamados de Imunoglobulinas ou células do plasma, pois ficam circulando no sangue) que neutralizam bioquimicamente os inimigos e os linfócitos T, junto com seus comandados, macrófagos (outras células sanguíneas) envolvem os vírus e os destroem. Durante esta batalha, alguns linfócitos T e B transformam-se em células de memória, algo como quadros com a foto e a “ficha” do inimigo: na próxima vez que o mesmo tentar invadir o castelo, será prontamente impedido. Quando isto acontece dizemos que o animal esta imunizado!
Existem duas maneiras de se imunizar: quando vencemos uma doença e pela vacina. A vacina é composta de vírus atenuados (vivos) ou inativados (mortos) e para que seja efetiva, a quantidade antígenos (vírus), deve ser suficiente para “impressionar” o sistema imune e produzir uma pequena doença (esta é a razão da febre após aplicação de algumas vacinas), que será combatida. A isto denominamos soroconversão, quando o antígeno (patógeno) gera anticorpos.
Esta é a grande questão entre as vacinas importadas e nacionais: a quantidade de vírus ou o chamado título. Dizem que as vacinas nacionais não são boas porque possuem baixo título, mas isto é assunto para outro post.
Segundo Dr. Ronald Schultz, Ph.D (Imunologista e Presidente do Departamento de Ciências Patobiológicas da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Wisconsin,) você não pode tornar um cão imune mais imune com a revacinação; você não vai aumentar a imunidade, nem beneficiar o animal, somente a industria farmacêutica (ele disse isto em 1998 !).
Ou seja, a memória imunológica para vírus é longa, senão para vida toda do animal.  Atualmente nos EUA são vacinados apenas os filhotes , e os cãe adultos recebe um reforço aos 7 anos!"Então o que acontece quando você vacina um cão que já tem imunidade contra o vírus da doença X ? Os vírus começam a circular no organismo do animal, os anticorpos que estão circulando o reconhecem e acionam o sistema imune que o destrói. Entendeu??? O sistema imune irá destruir a vacina!!!!!
Alguns veterinários defensores da revacinação anual dizem que a memória imunológica não persiste, porque os anticorpos não são encontrados anos após a vacinação. A detecção de anticorpos no sangue – pesquisa de títulos, nos diz que a imunização ocorreu e a memória celular está presente. Mas a ausência de anticorpos não significa que não haja memória imunológica, ou que o cão não esteja imune. O imunologista Ian Tizard diz: “ você pode ter um título negativo e se o animal for exposto ao patógeno, a memória celular é ativada para regenerar anticorpos para a imunidade de proteção".Particularmente considero que o organismo animal não é tolo: por que ele vai manter circulando proteínas (anticorpos) de que ele não necessita??

O que é um cão imune? Aquele em que a imunidade foi fortemente construída quando filhote, assim como para nós humanos. Em Primovacinação falarei sobre  quando e quais vacinas aplicar no seu filhote.

Schultz R. D. Current and future canine and feline vacination programs. Veterinary Medicine, march 1998.
Tizard I.R. Veterinary Immunology: An Introduction 6 th Fed Sounder 2000.

2 comentários:

  1. Ótima matéria, muito bem explicativa para leigos que nem eu.
    Agradeço e apesar da matéria antiga (2011) gostaria de saber mais sobre quando e quais vacinas aplicar.
    Obrigada
    Carmen

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  2. Muito interessantes e esclarecedores seus artigos sobre vacinação, obrigada por compartilhar a informação. Fico com dúvida, entretanto, quanto à não necessidade de revacinação anual. Caso o animal não tenha sido devidamente imunizado quando filhote, ainda que tenha tomado todas as vacinas (digamos que ele ainda tinha anticorpos maternos e as vacinas tomadas não foram suficientes para imunizá-lo, como você explicou), a revacinação um ano depois não poderia ajudar a garantir a imunização? Além disso, não existe a questão da mutagenicidade dos vírus? Como os vírus da gripe, que a cada ano sofreram mutações que tornam ineficazes as vacinas tomadas no ano anterior? Ou esses vírus, em especial da cinomose, parvovirose e raiva são daqueles que têm baixa taxa de mutação, como a catapora ou mononucleose humanas? Desde já, agradeço se puder contribuir com mais esse esclarecimento!

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